Afinal, como surge o burnout?

 

A palavra burnout é-nos familiar, quase todos associamos a exaustão e esgotamento. E sim, falamos de situações em que os nossos recursos se esgotam face às exigências contínuas do trabalho. Caracteriza-se pela exaustão física e ou emocional, e pela diminuição do envolvimento pessoal no meio laboral. Há quem apresente queixas somáticas, como dores no corpo, há quem deixe de dormir ou tenha um sono não reparador, como se nunca desligasse. Há quem note que está impaciente e irritado com tudo, ou apático e incapaz de se concentrar. Há outra manifestação de burnout especialmente estranha para o próprio e para quem o rodeia que é uma mudança na atitude em relação ao trabalho: o cuidado e excelência dão lugar ao ressentimento e indiferença. A mudança é progressiva, insidiosa e infelizmente pode só se tornar clara quando está instalada.

Vamos ser realistas, muitos trabalhos implicam picos onde se trabalha muito mais do que o estipulado e em piores condições, mas tal como o nosso corpo está preparado para lidar com uma grande ameaça limitada no tempo, canalizando todo o nosso esforço para tal, também conseguimos aguentar uns dias acima das nossas capacidades. O burnout não aparece nessas condições, mas sim quando a exigência está sempre acima do razoável.  E de onde vem esta exigência? Pode vir de dentro, pode vir de fora e muitas vezes altas pressões do exterior encontram as condições para a tempestade perfeita nas características perfecionistas que muitos de nós temos.

Começamos pelos fatores contextuais ou externos à pessoa. Trabalhar em condições físicas difíceis (muitas horas no local de trabalho, más condições de conforto, de luminosidade podem ter um efeito desgastante que se vai notando ao longo dos anos. Por outro lado, o trabalho online tem outros efeitos negativos: a ausência de limites físicos e temporais que pode levar ao “nunca desligar” do trabalho de que algumas pessoas falam. E temos o tipo de cultura organizacional, espelhado nos estilos de liderança e no consequente clima organizacional, intimamente relacionada com a maior ou menor probabilidade de se desenvolver patologia mental, nomeadamente situações de burnout. São os ambientes ameaçadores, controladores, onde as pessoas sentem sobretudo emoções como medo e vergonha, onde a pressão é constante e o elogio escasso. E se é crucial estimular webinars e workshops sobre saúde mental no local de trabalho, é ainda mais importante falar abertamente do impacto da cultura organizacional e das lideranças na nossa saúde mental. E continuar a trabalhar na consistência entre o que é dito e o que é feito no dia a dia.

E sobre nós, sobre o que depende da maneira como nos tratamos a nós próprios? Pela minha experiência clínica constato que os maiores candidatos a burnout são usualmente pessoas muito competentes, que entregam resultados “inalcançáveis”, trabalham horas a fio e não o fazem num pico, fazem-no continuamente. E exigem a si próprias fazê-lo em todas as áreas da vida, são as pessoas que dizem “se é para fazer mal não vale a pena fazer”. Máximo esforço para o máximo de resultados, em tudo, sempre. E não é de estranhar que assim seja. As mensagens mais difundidas desde a infância na sociedade atual são as de que “és especial”, “podes ser tudo o que quiseres”, “não há limites”. Os pais e educadores fazem-nos com a intenção de estimular, encorajar, aumentar a autoestima. Paradoxalmente, o efeito é o oposto: Ensinamos desde cedo que vamos poder gostar de nós e ser autoconfiantes quando e só quando atingirmos resultados brilhantes, mostrarmos que somos especiais e que conseguimos o impossível. Passo muito tempo a dar uma visão diferente de autoconfiança e autoestima: O objetivo é gostar de nós próprios e confiar em nós próprios mesmo quando não nos sentimos a pessoa mais inteligente da sala, ou a que atingiu melhores resultados. E para competir com a mensagem de “o Céu é o limite”, argumento que todos temos limites, físicos, de energia, de concentração, de capacidade cognitiva que estão bastante cá na terra. Do que precisamos para ter uma muito boa performance é de uma boa gestão dos nossos recursos físicos e mentais. 

Nunca tantos que têm acesso a colchões tão bons dormiram tão pouco e tão mal, o autocuidado passa por respeitar os limites do corpo, dormir, descansar, rir e emocionar-se numa base regular. O respeito pelos nossos limites, o amor próprio e auto-compaixão nos momentos mais difíceis são condições necessárias a um sucesso sustentável e por isso o mais difícil e mais corajoso de tudo passa por aceitar o nosso direito a falhar, a errar, a dizer “não” e a dizer “isso não consigo”. E então aí e só aí é que estamos em condições de pôr esforço, empenho e garra continuamente em objetivos exigentes sem canibalizar os nossos próprios recursos. Numa sociedade onde se valoriza tanto o sucesso e todos queremos pertencer a equipas de alto desempenho é perigoso não compreender que um dos seus componentes é o cuidado connosco próprios e com os que lideramos. A realidade está cá para o provar.

Ana Moniz

Psychologist and Psychotherapist; Executive Coach and Trainer.

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